quinta-feira, 10 de abril de 2014

Lollapalooza Brasil ganha em espaço e diversidade, mas perde em identidade

O Lollapalooza é um festival de rock alternativo, certo? Se o parâmetro é a última edição brasileira, a resposta é errado. Afinal, Muse, Lorde, Imagine Dragons, Ellie Goulding e Jake Bugg são atrações que caberiam melhor no Rock in Rio. Atenção: não defendo a exclusividade ao que possa ser rotulado de indie nem a prioridade a músicos consagrados.
Ao contrário, sou da opinião de que um bom festival de rock alternativo, ao menos o Lollapalooza começou com essa natureza, precisa reunir atrações de estilos e gerações diversas, para promover o novo e valorizar o consagrado, com artistas que tenham as características em comum de não se prender ao que tem apelo comercial e de preservar sua identidade musical. O sucesso comercial é sempre bem-vindo, desde que ele não seja perseguido às custas da qualidade artística.
Na última edição brasileira do Lollapalooza, o que predominou entre os músicos de carreiras recentes foram as atrações de apelo pop. Essa é uma opção válida para todo festival que busca ser financeiramente sustentável, mas pode implicar em uma perda de identidade. O Lollapalooza, pelas proporções que já atingiu, não precisa recorrer a ela.
Assim, parece ser perfeitamente viável investir na valorização de artistas do cenário alternativo, sejam novatos ou já consagrados. Se a atração principal de um dia pode ser o Arcade Fire, uma banda que assume constantemente riscos nas suas opções artísticas, por que não repetir a aposta com os músicos que fazem as demais apresentações em cada palco?
Como um exercício de masoquismo, imaginem as bandas do cenário alternativo que vieram pouco ou nunca ao Brasil e poderiam ter ocupado o lugar das atrações pop do último Lollapalooza. É, sei como é dolorido pensar nisso. A apresentação do Arcade Fire foi a prova definitiva de que música refinada também pode ser feita para multidões. Então, nas apresentações iniciais de cada palco, com públicos menores, haveria até mais espaço para esse tipo de artista.
Rotular minha argumentação de patrulha indie é negar as diferenças entre as naturezas de festivais como o Lollapalloza e o Rock in Rio e querer colocar tudo no mesmo balaio. Se a nova proposta do pessoal que trabalha para o Perry Farrell é essa, a opção é legítima, repito, mas se tratará de um novo festival, que passará a ganhar menos comigo e, certamente, mais com o público em geral.
Quem chegou até aqui já percebeu que o Arcarde Fire foi bom. Pois é, foi muito bom! Bichogrilices à parte, como a parte visual e as homenagens à MPB, eles se mostram no auge de uma carreira de quatro álbuns. Não que o último, "Reflektor", seja o melhor dos quatro, mas foi outra aposta ousada, que possibilitou à banda agregar fãs exibindo criatividade e mantendo o nível de qualidade. O próprio Arcade Fire é consciente da sua trajetória, tanto é que desfilou músicas de todos os álbuns, com o cuidado de preservar um equilíbrio entre "Funeral", sua obra-prima, e o atual "Reflektor".
Vi 10 shows em dois dias de festival. Entre eles, o do gênio da guitarra Johnny Marr também merece ao menos um parágrafo. Foi um exemplo de como um músico talentoso e vinculado até o fim dos seus dias a uma banda, queira ou não, pode ter uma carreira solo com brilho próprio, é o que mostra seu álbum "The Messenger", e respeitar, ao mesmo tempo, seu passado. A escolha do repertório do show e sua execução foram primorosas, tanto pelas músicas próprias quanto pelas do Smiths, contando com a participação especialíssima de Andy Rourke, que foi baixista da banda, em uma delas. E ainda houve espaço para um cover do Clash!
Dos outros shows que vi, Vampire Weekend, Cage The Elephant, Julian Casablancas, Capital Cities, Pixies e Phoenix valeram o esforço da circulação incessante entre os palcos, com mais distância e obstáculos no trajeto do que no ano passado. Não posso dizer o mesmo dos demais.

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